Chamo-me Diana e a Aurora, com um mês de vida, é a minha terceira filha. Os meus filhos Carolina e o António, de nove e quatro anos, respectivamente, foram amamentados exclusivamente até aos seis meses e, ambos, inexplicavelmente, ou por algum código genético que lhes corre nas veias rejeitaram o meu peito quatro dias depois de soprarem as velas do seu primeiro aniversário.
A minha história com a amamentação não é, porém, um conto de fadas; é antes um ensaio à resiliência, é uma ode ao sacrifício que um dia se transforma em recompensa. Se quisesse fazer deste testemunho um conto fantástico, agora fazia-me vítima de uma maldição de uma bruxa malvada lançada no dia em que nasci.
A verdade é que a malapata começou quando a minha mãe se viu abandonada pelo meu pai mal eu tinha acabado de nascer e, sozinha se deixou embalar por uma violentíssima depressão pós-parto, que fez com que fosse incapaz de se aperceber que o seu leite tinha secado sem aviso, e que a sua filha (eu) definhava de forma inversamente proporcional ao seu desgosto (valeu-me uma avó que me dava água por um biberon porque era Agosto, e outra avó que me levou ao médico e confirmou que o meu estado de letargia era por falta de alimento).
25 anos depois deste episódio triste, com o qual eu justifico na brincadeira distúrbios alimentares imaginários (o meu maior pecado é a gula e apenas isso), nasce a minha primogénita Carolina. A primeira coisa que lhe fazem é enfiar-lhe um biberão de leite adaptado na boca. Olham para a minha mama enorme e para a boca de botão de rosa daquele bebé minúsculo de 2.500 kg, e sentenciam sem margem para dúvidas: “Não vai conseguir nunca dar de mamar!”. No dia seguinte, o leite subiu-me à hora da novela e isso também chateou as enfermeiras de serviço – espremeram-me as mamas no lavatório à bruta e às três pancadas e voltaram à sua: ‘o melhor é o doutor dar-lhe algo para secar o leite; veja lá bem se isso tem jeito: a sua mama é duas vezes o tamanho da cabeça da menina!’.
Chorei a noite inteira sozinha e, entre febrões da subida do leite, consegui dar de mamar pela primeira vez. Não sei bem como consegui desencaroçar o peito, amamentar a Carolina e lidar com os desafios todos de ser mãe solteira. Mas fi-lo. E em 3 meses, o bebé minúsculo do percentil 10 passou para o 75.
Cinco anos depois, chegou o António, em vésperas de Natal, e fruto de um gigantesco amor. Aí os tempos e os Hospitais eram outros e a ajuda à amamentação foi inexcedível e superado o trauma da subida do leite. Nessa Consoada, porém, o menino Jesus deu-me de presente fissuras em ambas as mamas. As dores eram insuportáveis. Cada mamada eu jurava que era a última, sobretudo de madrugada, quando tudo dói sempre mais um bocadinho. Mas superou-se. Com muito Gretalvite e muitos maxilares cerrados, ao mês de idade estava tudo superado.
Avançamos quatro anos e meio e, no passado dia 1 de Maio, nasceu a Aurora, a luz e a esperança de um futuro melhor veio agarrada à placenta. A primeira pega ainda no SO é perfeita, e as enfermeiras comentam que não há nada como ‘mãe de terceira viagem’. Mas ao segundo dia tenho o peito a sangrar e todo quebrado por fissuras.
Não tenho palavras para descrever a provação que tem sido amamentar a Aurora. É um sacrifício e uma prova de amor. Respiro fundo e começo a contar de forma decrescente de 10 até 0. Às vezes tenho que o fazer muito devagarinho. Agora, quando chego ao 5, o pior já passou. Estou a meio do caminho. Hei-de lá chegar.
Na USF do Parque, em Alvalade, onde somos ambas seguidas por uma equipa excepcional, ensinaram-me a pega de râguebi, que me tem ajudado bastante. Neste serviço público oferecem-me também assistência personalizada e ânimo quando só me apetece desistir.
Nunca dramatizei a amamentação e os desafios que me tem colocado até chegar à experiência mágica de partilha, carinho e amor entre mãe e filho que ela deve ser, que eu sei que é, e que estou a tentar alcançar pela terceira vez na vida. Vejo-a como a escolha óbvia, natural, e completa, apesar de não ser, no meu caso, a mais fácil. Depois, é até eles quererem; não coloco qualquer pressão para arrastá-la mais do que aquilo que os meus filhos quiserem.
Tenho-me superado nestes 40 dias nos quais à razão de 10 a 12 vezes por dia tolero gigantescos níveis de dor e desconforto. Ganho ânimo e coragem para a próxima mamada, apenas a olhar em silêncio para esta menina perfeita. Espero que estas imagens surtam o mesmo efeito em vós.
Diana Ralha
6 de Junho de 2012