Estas imagens já são recordação do meu passado. De um passado que partilhei com o meu filho Miguel e que já tinha partilhado com o meu filho Pedro, exactamente três anos antes. A amamentação faz parte do meu passado. É lembrada com um misto de carinho, nostalgia pelo que foi e pelo que poderia ter sido, contentamento pela ligação, satisfação pelos resultados, frustração pelos resultados e um sentido de liberdade que ganhei por dar de mamar e a liberdade que ganhei por ter deixado de dar de mamar. Foram actos de amor com um travo agridoce dentro de um amor maior, muito maior e esse sim, eterno.
Com o Miguel não foi fácil. Não foi seguramente tão fácil como foi com o meu filho mais velho.
Começou pelas “dores tortas”, as quais na versão anterior tinham sido um fibrilhar agradável. Continuou com uma subida do leite sentida, aflitiva, que havia sido despercebida na primeira vez. Mas em dias chegámos à desejada velocidade de cruzeiro, foram apenas as dificuldades normais dos primeiros dias.
Depois veio o desafio do leite a menos para rapaz a mais, que foi sofrendo com isso. E eu frustrando. Lá naveguei entre mezinhas e dicas para chegar ao que precisava, mas sem grande sucesso. Foi o início do fim. A sopa antes do tempo que eu queria, com a decorrente diminuição de leite. E uma coisa foi levando a outras. E ele cada vez mais impaciente e eu cada vez mais frustrada.
Foi frustrante ver-me cada vez mais gorda e com cada vez menos leite. Porque foi isto que acabou por me acontecer. Nem eu cuidava do meu corpo, nem o meu corpo cuidava de dar ao meu filho o que ele precisava. Eu tinha o pior dos dois mundos e nenhum dos dois estava melhor a cada dia que passava. Se eu podia ter feito muita coisa de forma diferente? Podia. Se podia ter tido uma alimentação ainda mais cuidada, bebido ainda mais água, tido ainda mais calma? Podia, mas não deu. Eu fui perdendo pequenas batalhas numa guerra que não quis travar. A amamentação para mim nunca seria uma guerra, seria sempre e apenas uma via para a vida e paz. Mea culpa.
Balancei muito entre a liberdade de dar de mamar e a liberdade de deixar de dar de mamar, entre os atributos destas duas realidades. A liberdade de dar de mamar vem do alimento do meu filho sair de mim, sempre pronto, sempre ideal. Mas prendia-me às angústias da amamentação os problemas normais que tantas vezes a acompanham. A quantidade de leite que (não) tinha, o facto de ele bolçar tanto este leite que era tão precioso e irrepetível, a inconstância dos dias e da evolução do meu bebé. Deixar de dar de mamar libertou-me para que eu fosse enfim em busca de tudo o que eu e o meu corpo éramos antes, mas implicava deixar esse tempo único, que eu ainda assim queria preservar, porque sempre o soube efémero. É hoje um tempo da minha vida, da nossa vida, encerrado na prática, presente sempre na minha história. Dei de mamar aos meus dois flhos e foi bom, foi satisfatório, foi normal, foi frustrante, foi aquém, foi além, foi o que foi, o que tinha de ser.
No momento em que deixei de dar de mamar, não muitos dias depois deste dia, senti um misto de alívio e culpa. E mais um pouco de culpa por me sentir aliviada. Mas depois da culpa, somos hoje mais felizes, nós os dois. E estas fotografias uma doce nostalgia, um momento de intimidade que apenas eu e o meu bebé partilhámos e que não mais conseguirei repetir.
Inês Simões